Sunday, November 19, 2006

Mitológicas afetivas 1



Ela era toda aérea e alongada, feita de uma magreza quase óssea. Talvez por isso mesmo tinha todas as curvas realçadas na escassez de carne. No fundo, era a mesma gostosura que faz os homens encherem a boca na rua ao ver uma mulher boa passar, expelindo saliva, fome e tesão. Mas não se dava a ver assim, a qualquer um. No trivial era invisível, desaparecia na paisagem da cidade, camuflava-se entre os prédios de concreto e, exceto pelos cabelos de princesa, que de vez em quando agitava num gesto decidido, passava pelos leões da rua desapercebida. Para ver seu tesouro era preciso, antes, mergulhar em seu universo, navegar os seus rios de intimidade e conhecer sua história. Só depois de seguir os caminhos de veias azuis sob a pele alva, ultrapassar o denso matagal entrelaçado de seu sexo e percorrer todos os acessos a sua alma, aí sim, revelava-se a languidez secreta de seus gestos mais lascivos e emergia a deusa de esquálida firmeza, arrebatada por algum sonho de amor feliz, desses que só existem nos campos verdes do desejo e que a faziam flutuar etérea e elevada.

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